terça-feira, 17 de julho de 2012

A importância de compartilhar

Ando preocupada com o terapeuta do hospital. Ele tirou uma licença para tratamento de saúde e - parece que a coisa é mais séria do que eu imaginava - já se passaram meses e ele ainda não voltou. Uma pena pela pessoa e pelo excelente profissional que é. 

Procurei-o pelo e-mail, mas as mensagens retornaram. Estou meio constrangia em ligar para o celular... De qualquer forma, acabei me lembrando de um post que havia escrito para o blog que não foi ao ar e que não deixa de estar atual, de alguma maneira. Achei bacana dividir com vocês. Segue....

Tenho sentido falta do grupo de apoio psicológico às pacientes com câncer de mama. Por alguns motivos deixei de frequentá-lo. O primeiro deles foi pelo fato de não haver uma continuidade no tratamento das usuárias. Acho que muito mais pelas pessoas não se interessarem em retornar às sessões (a maioria mora bem longe e fica muito difícil se deslocar para o hospital), do que por um problema qualquer no atendimento em si.

Como a cada sessão o grupo era completamente diferente do anterior, lá ia eu me repetir, contar meu caso todo novamente. E, dessa forma, não tinha como dar andamento ao meu tratamento, apresentar novos sentimentos, partilhar angustias que haviam aparecido durante a semana, dividir com as outras determinadas etapas da minha história.

Isso me desestimulou bastante. Então, não relutei quando vi que um determinado curso que eu queria fazer era no mesmo dia da terapia, decidi me afastar por algum tempo. Mas estou sentindo que esse tempo talvez tenha se esgotado. Acho que preciso partilhar algumas coisas e que somente no grupo vou encontrar quem me entenda plenamente.

Não quero ser injusta com ninguém, mas, por mais sensibilizada que as pessoas estejam (e elas estão!), elas não conseguem compreender exatamente o que eu estou passando. O quadro é muito complexo e diferente, quem nunca passou por isso jamais terá noção completa das suas dimensões.

Dois acontecimentos exemplificam bem esse sentimento.

Eu estava no inglês, pedindo para ter um tratamento um pouco diferenciado (continuo*, dentro do possível, trabalhando e estudando, enfim, tentado manter meu cotidiano).  No curso que faço o sistema é um pouco diferente, simplificando, você marcar as suas aulas práticas e teóricas e segue no seu ritmo de aprendizado. Como eu vinha fazendo quimioterapia e, nas últimas sessões, tinha passado muito mal, fiquei algumas semanas sem marcar aulas. Então, estava pedindo para permitissem que eu marcasse essas aulas depois (basicamente, empurrar pra frente). E eu dizia brincado "Vai, eu sou café com leite! Estou em tratamento..."

Foi quando um dos professores do curso disse: "Ah, deixa de desculpas!" Num tom meio de quem que dizer "não se faça de coitada". Falou brincado, mas sabe como é, na brincadeira acabamos liberando nossos sentimentos. Bem, eu não gosto de usar de certos argumentos, mas tive que lascar um: "Desculpa, não! Eu passei uma semana vomitando, como você queria que eu visse ao curso?!" Ele ficou meio constrangido, mas acho que começou a entender o nível do problema.

A grande questão é que quem me vê bem, forte, alegre, levando minha vida normalmente, não é capaz perceber tudo que eu passei nos dias anteriores. Tudo o que está acontecendo comigo.

Meu marido, por exemplo, ele é fantástico, compreensivo e atencioso.

Outro dia saímos e ele perguntou "Não está se esquecendo de nada? E os remédios?" Eu separei os remédios, tomei alguns, levei outros e disse que estava tudo ok. Mas depois que já havíamos saídos, estávamos acomodados e não pretendíamos voltar, eu notei que havia esquecido o anti-inflamatório que estava tomando para terrível dor nas costelas que eu vinha sentindo.

Quando eu falei para ele que teríamos que voltar em casa e buscar o remédio, ele ficou meio aborrecido. Eu expliquei a ele que ando relapsa, por mais que me esforce acabo esquecendo a metade das coisas que tenho que fazer. Meu nível de eficiência anda meio baixo. Ele entendeu e ficou tudo bem. No carro, na volta, ele pegou minha carteira estava no painel do carro e pôs sobre o banco do carona. Eu já havia me levantado e pedi que ele me desse a carteira na mão, então ele disse: "Que preguiça, hein?!", "Preguiça, não, querido! Eu estou morrendo de dor nas costas!" Eu mal conseguia me abaixar sem urrar de dor, mas ele, me vendo alí, de pé, ativa, não pode notar isso.

Na espera para minha última consulta com a oncologista (para deixar claro: última que eu fui, não última que precisei ir), conheci uma senhora que já estava no final do seu tratamento contra o câncer. Tomava uns remédios em casa e ia de meses em meses ao hospital para uma consulta. Papo vai, papo vem, ela diz: "Só agora eu consigo entrar na sala da quimioterapia (onde a gente recebe o tratamento) sem passar mal. Mesmo já tendo acabado minha quimio, o cheiro do remédio me dava muito enjoo."

O mesmo vem acontecendo comigo. Não quero chegar perto daquela ala. Só de sentir o cheiro da medicação, só de lembrar do cheiro da medicação já fico mal. Foi assim que eu notei que algumas pessoas seriam capazes de me entender profundamente e que eu estava precisando dessa cumplicidade. Talvez fosse a hora de voltar a frequentar o grupo.**

*como as dores se intensificaram, acabei tendo muita dificuldade de me descolar de casa e precisei largar o curso já no finalzinho.
**nessa época eu estava entre 2 módulos de quimio e ainda sentia muito os efeitos das tais "vermelhas". Agora, já estou mais tranquila e, inclusive, entro na sala para o tratamento sem problemas. Superei.

2 comentários:

  1. Penso que aquelas repetições eram cansativas por que eram para você mesma. Talvez agora você possa repetir só para as outras pessoas.
    Compartilhar sempre é a melhor opção.
    Adoro a forma como você se expressa. Bonito e muito útil este post.
    beijos
    Nelma

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  2. Brigadinha, Nelma. Agora vou começar a repetir tb para uma profissional. Acho q estou precisando. bjs

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